Jun 6, 2010

Aquele que brinca de Deus


A idéia de realidade é algo personalíssimo. Aferimos a realidade utilizando como instrumento os nossos sentidos, através de sensações organolépticas. Eis, portanto, o abismo que se estende sobre a conceituação de realidade. A quem devemos mostrar a nossa realidade? Com quem dividiremos nossas indagações, nossas preocupações? A alma humana é muito pra ser tão atomizada, tão individualizada. Nossas angústias são problemas de primeira grandeza. A quem confiar as portas do saber, desse saber específico? Não se pode ousar reter o saber, sem o auxílio do sentir. Àqueles que sentem resta a espera do saber. Aqueles que sabem, não se importam com o sentir. Caos.

Montanhas desaparecem e surgem todo o tempo. E não significam nada para Deus. Prescindem de significado. Pessoas podem ser montanhas. Cadeias delas, até. Mas, novamente, nada importam para Deus. Mais conveniente, então, acreditar em milagres.

Quem não demonstra medo durante a passagem da vida, não está apto a viver. Quem nunca sentiu medo, pode lançar pedras aos espelhos, sem medo das consequências. Sem necessidade de reflexo. Àqueles que não abrigam o medo, quebram o mistério que colocamos sob os mesmos. Não se conhece alguém assim. Mais conveniente, então, acreditar em milagres.

Quem fornece tudo a alguém, apenas para solidificar crenças alheias? Não é assim que se participa do jogo da vida. Criamos o mundo que queremos ver, através de nossas sensações, e imbuímos o mesmo de sentimentos, na expectativa de que alguém, em algum lugar, os acolha. Criamos situações adversas, com o intento de lembrarmos como é ser Deus. Forçamos a crença em milagres. Difundimos a idéia. Mais conveniente, pela derradeira vez, acreditar em milagres.

E, enquanto esperamos milagres, a vida acontece.

May 2, 2010

Aqueles que se conhecem. . .


Engraçado pensar no quanto temos que andar para encontrarmos aquilo que realmente procurávamos, desde o primeiro passo da caminhada. Divertido relembrar os tropeços que tivemos ao longo do trajeto, cuja única função foi a de fortalecer laços que desafiam questões de tempo e receio. Lúdico é ser apresentado a todas as possibilidades, e, com uma cega confiança, escolher. . . selecionar.

Sou partidário da idéia de que toda escolha é, essencialmente, uma exclusão. Nem toda exclusão, entretanto, é negativa. Diversos são os caminhos, porém única é a finalidade. Aquilo que enseja toda e qualquer conduta humana: a vontade. Em linguagem morta, Mens, traduziria esse conceito como sendo o elemento subjetivo que reveste toda e qualquer ação humana. Em bom português? a mente!

Quando a vontade é dilacerada pela sensação de obrigação, só resta uma solução: liberdade. E é através dessa liberdade, carregando as dificuldades do caminho, que aprendemos a selecionar, e mais uma vez inicia-se o processo de dilapidação do caráter próprio, e, também, alheio. A livre capacidade de associação, negando os erros do passado, mas nunca esquecendo do que motiva a interação humana: amizade e amor.

Sei, é claro, que no início, tudo são flores. Os vícios não estão tão aparentes, mas ser amigo também é enxergar o que há de melhor nos outros. Como diria o sábio Oswaldo Montenegro "Quantos defeitos sanados com o tempo eram o melhor que havia em você?". Façamos, então, apologia ao erro, como forma de se alcançar o caráter, e nunca, como tentativa vã de alterar apenas a sua própria realidade. Esses erros não se devem celebrar.

Eles tem razão quando me avisam que eu não sei medir o tempo e o medo. Que as oportunidades vêm, mas não voltam, e que o que fazemos desses eventos nos define. Fazer e receber na sagrada e exata proporção que lhe convém. Enfim, ser amigo e ter um amigo. Amar e ser amado. Ao vislumbrar a grande trajetória que passamos em vida, analisamos também quem realmente somos, e quem realmente podemos ser, agora com uma sensação de dever cumprido.

Feb 27, 2010

Aquele que questiona a devoção


É apenas uma frase simples. Eu ainda posso ouvi-la. Eternamente.

Nunca existe uma única opção, tampouco um único motivo. Um é apenas um. O número mais solitário de todos, porém o único com capacidade livre de associação. Ameaçar a integridade dessa solidão é dilacerar todas e quaisquer possibilidades de crescimento pessoal.Não há culpados. Não há o que se culpar. O único sentimento que impera é o de arrependimento. Noção bastante conflitante, não?

As etapas são necessárias para o completo conhecimento da evolução. Afinal, como definir o certo do errado se não há parâmetros? Missão deveras hercúlea para a pobre alma humana. As reminescências da vida impõem um padrão, cabe a nós segui-lo. Como saber qual lado seguir se não nos é ofertado o conhecimento dos inimigos? Razão mais do que suficiente para se lançar aos negros, porém sedutores, oceanos que existem fora da nossa zona de conforto pessoal. Tal qual Odisseus, ao retornar para Ítaca, não há como suprimir o questionamento pessoal: o esforço foi recompensado? valeu a pena?

Meu estamento sobre essa matéria é bastante amplo, posto que sim, atravessei minha barreira de auto-sustentação pessoal, e sim, cheguei a uma conclusão: não, não vale. Mais uma vez o ar é perfilado com o aroma ingrato do arrependimento. Não há absolutamente nada lá fora que justifique a renúncia, a doação, todos os atos que caracterizam a devoção. Não sejais devotos de entidades que não acolhem a devoção. Não renuncieis seu caráter e seus valores por mera aceitação.

Rompamos com as amarras imateriais da devoção. Sejamos senhores do nosso próprio destino. Estabeleça sua lei, e siga-a, não importa o que ocorra. Afinal, de que outra forma se vive? Não sejamos eternamente ludibriados por defesas que não nos pertencem, por batalhas que não são nossas. Amizade e Amor são sentimentos nobres demais para serem confiados nas mãos de qualquer pessoa. Não são todos que os merecem. Mas isso você aprende, depois de retornar do mais opaco dos oceanos, tendo superado as barreiras do tempo. Só assim se compreende o que significa voltar. Só assim se entende o sentido do regresso. O mais doce regresso já feito em vida.

É apenas uma frase simples. Eu ainda posso ouvi-la. Eternamente.

Arrependo-me, pois nunca valeu a pena.